Grupo de Pesquisa

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domingo, 4 de dezembro de 2016




UM SEMINÁRIO QUE SE TORNE POTÊNCIA PARA A AÇÃO
Foto Kiko Ferrite.

Nos dias 7, 8 e 9 de dezembro, a professora Lia Diskin estará em Fortaleza, como uma das palestrantes do Seminário Cultura de Paz, Educação e Espiritualidade. A professora é cofundadora da Associação Palas Athena e foi a escolhida pela UNESCO para difundir a cultura de paz no Brasil. Uma das principais responsáveis pelas visitas do Dalai Lama ao nosso país, Lia Diskin tem uma visão muito clara sobre o processo, que estamos vivendo, de desafio à tolerância e ao respeito às diferenças: “Quanto mais evidentes fiquem as contradições entre modelos distintos, mais rápido vão acontecer as mudanças, as possibilidades de desenhar um novo modelo de convivência pessoal, familiar, cívico, entre as nações.”
Ela acredita que a sociedade vai se organizar em torno de um projeto cidadão de construção de um horizonte que atenda às necessidades humanas. “Necessidades, não ambições. Porque ambição, ganância não são apenas traços de caráter, geram consequências terríveis. A corrupção provoca sofrimento e mata pessoas que não tem nada a ver com isso”, alerta.
Outra reflexão que ela faz é sobre a insistência do Estado em manter alguns sistemas ineficientes, em vez de tentar abordagens mais humanas e eficazes para problemas sociais. Várias políticas e ações equivocadas, como as voltadas para a questão prisional, deveriam ser substituídas por métodos mais pacíficos, cujos resultados são comprovados “O índice de reincidência da população carcerária é de 70%. Não precisa ser muito inteligente para perceber que o sistema fracassou. A prisão falhou em sua missão de reeducar, de reinserir na sociedade a pessoa que retirou do convívio social. Portanto, não provoca nenhum tipo de benefício, pelo contrário, só provoca malefícios.”. Ela sugere a expansão da prática da Justiça Restaurativa, que tem conseguido transformar os envolvidos no delito, a partir de encontros entre a vítima e ofensor.
A professora cita a Noruega como exemplo de sociedade que resolveu bem a questão prisional. Lá, os presídios foram desativados e agora passam por reforma, para depois abrigar refugiados. “Eles encontraram uma política de reinserção inteligente para pessoas com comportamento desviante”, argumenta.
Outro exemplo de política equivocada está no setor de Saúde, que gasta dinheiro, recursos e mão de obra qualificada para tratar da doença, quando poderia adotar uma linha integrativa. “Temos de cuidar da saúde, da prevenção, fazer meditação, tai chi chuan, preferir uma alimentação nutritiva”. Ela Diskin cita um dado alarmante, mas muito revelador das doenças da nossa sociedade: a Secretaria Municipal de Saúde de São Paulo distribui, por mês, 150 milhões de ansiolíticos, antidepressivos, antipsicóticos.
“Isso significa algo muito grave. Que as cidades imprimem um estado de estresse, de desconforto tão grande nas pessoas, que muitas delas, para suportarem a si mesmas, se equilibram à base dessa medicação”. Se o alvo das políticas de saúde fosse a prevenção, todo esse esforço de recursos financeiros e profissionais direcionado às doenças poderia ser dedicado a outras áreas da saúde.
Nesse contexto de instabilidade, a violência exercida pelo Estado contribui para aumentar o clima de medo e insegurança na vida urbana. “A revolta é reprimida pelas forças do Estado e provoca mais revolta, porque o cidadão teme quem tem de protegê-lo.” E assim se rompe a possibilidade de uma convivência minimamente civilizada.
A pergunta é como transformar uma cultura altamente predatória como a nossa em uma cultura de paz. A resposta da professora nos provoca a todos: “Temos de nos tornar objetores de consciência, negando-nos a consumir aquilo que for prejudicial a nós mesmos, à comunidade, ao meio ambiente e à natureza”.
Por isso, cabe à educação familiar e escolar formar cidadãos conscientes do seu papel em manter funcionando, a pleno vapor, essa máquina de produção e consumo em que vivemos. “O problema é que maioria quer continuar alimentando essa máquina, comprando o último modelo de celular, comendo batatinhas industrializadas, ansiando pelo estilo de vida que se leva nos EUA”, diz. Ela acredita que as iniciativas que nos levarão a uma mudança de paradigma não virão das empresas, nem das instituições financeiras, mas das pessoas comuns.
“Nós precisamos nos conscientizar da nossa força”, afirma a professora, que percebe uma lenta e gradual mudança em direção ao novo paradigma. “Há 15 anos não se achava arroz integral no supermercado nem se falava em edifícios inteligentes. Hoje é um charme economizar, não desperdiçar, ir ao brechó, vender o carro. Algumas empresas se preocupam em construir uma atmosfera de trabalho mais confiável, um espaço mais acolhedor; floresce a economia do compartilhamento”, aponta.
Na opinião dela, para demonstrar as contradições sociais, cabe aos educadores trabalharem com a matéria-prima do nosso dia-a-dia, discutindo uma pauta polêmica, em discussão no Senado, por exemplo. “O objetivo não é contrapor-se ao modelo vigente, mas mostrar seus frutos. E refletir sobre o que seria uma cultura de paz”, explica.
Sobre o seminário em Fortaleza, ela diz que só terá sentido se, além da reflexão, abrir espaço para a mobilização. “Se for só para expor a erudição dos palestrantes, não serve para nada. As pessoas têm de sair inquietas, com uma indignação que se torne potência para a ação. Do contrário, é um embuste intelectual”.
Lia Diskin termina convidando todos nós a refletirmos sobre a riqueza que significa a diversidade de sentimentos, de opiniões e pensamentos. “A sociedade humana é um ecossistema formado por diferentes paisagens. Cada um tem seus valores, cultura, sonhos, aspirações – e isso nos enriquece. Em espaços humanos empobrecidos tenta-se homogeneizar as ideias, tudo o que é diferente passa a ser percebido como ameaça, quero me desfazer daquilo que me incomoda, que não atende às minhas expectativas”, afirma.
Ao menos temos a esperança de tomar para nós o protagonismo das mudanças desejadas. “Fomos ensinados a sufocar com diversão, álcool ou ansiolíticos as dificuldades. Esse tempo de indefinição em que vivemos exige lucidez e coragem para enxergar a realidade como ela se apresenta. A vida é incerta, a natureza não é justa, é o que é. Temos de aprender a lidar com isso”, diz. Portanto, estejamos prontos para definir, conjuntamente, em que novo paradigma social vamos querer viver.


Por Denise Ribeiro, jornalista e escritora paulistana  

 Créditos da reportagem

http://planetasustentavel.abril.com.br/blog/parceiros-do-planeta/etica-respeito-e-o-bem-comum/

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