UM SEMINÁRIO QUE SE TORNE POTÊNCIA PARA A AÇÃO
Nos dias 7, 8 e 9 de dezembro, a professora Lia Diskin estará
em Fortaleza, como uma das palestrantes do Seminário Cultura de Paz, Educação e
Espiritualidade. A professora é cofundadora da Associação Palas Athena e foi a
escolhida pela UNESCO para difundir a cultura de paz no Brasil. Uma das
principais responsáveis pelas visitas do Dalai Lama ao nosso país, Lia Diskin
tem uma visão muito clara sobre o processo, que estamos vivendo, de desafio à
tolerância e ao respeito às diferenças: “Quanto mais evidentes fiquem as
contradições entre modelos distintos, mais rápido vão acontecer as mudanças, as
possibilidades de desenhar um novo modelo de convivência pessoal, familiar,
cívico, entre as nações.”
Ela acredita que a sociedade vai se organizar em torno de um
projeto cidadão de construção de um horizonte que atenda às necessidades
humanas. “Necessidades, não ambições. Porque ambição, ganância não são apenas
traços de caráter, geram consequências terríveis. A corrupção provoca
sofrimento e mata pessoas que não tem nada a ver com isso”, alerta.
Outra reflexão que ela faz é sobre a insistência do Estado em
manter alguns sistemas ineficientes, em vez de tentar abordagens mais humanas e
eficazes para problemas sociais. Várias políticas e ações equivocadas, como as
voltadas para a questão prisional, deveriam ser substituídas por métodos mais
pacíficos, cujos resultados são comprovados “O índice de reincidência da
população carcerária é de 70%. Não precisa ser muito inteligente para perceber
que o sistema fracassou. A prisão falhou em sua missão de reeducar, de
reinserir na sociedade a pessoa que retirou do convívio social. Portanto, não
provoca nenhum tipo de benefício, pelo contrário, só provoca malefícios.”. Ela
sugere a expansão da prática da Justiça Restaurativa, que tem conseguido
transformar os envolvidos no delito, a partir de encontros entre a vítima e
ofensor.
A professora cita a Noruega como exemplo de sociedade que
resolveu bem a questão prisional. Lá, os presídios foram desativados e agora
passam por reforma, para depois abrigar refugiados. “Eles encontraram uma
política de reinserção inteligente para pessoas com comportamento desviante”,
argumenta.
Outro exemplo de política equivocada está no setor de Saúde,
que gasta dinheiro, recursos e mão de obra qualificada para tratar da doença,
quando poderia adotar uma linha integrativa. “Temos de cuidar da saúde, da
prevenção, fazer meditação, tai chi chuan, preferir uma alimentação nutritiva”.
Ela Diskin cita um dado alarmante, mas muito revelador das doenças da nossa
sociedade: a Secretaria Municipal de Saúde de São Paulo distribui, por mês, 150
milhões de ansiolíticos, antidepressivos, antipsicóticos.
“Isso significa algo muito grave. Que as cidades imprimem um
estado de estresse, de desconforto tão grande nas pessoas, que muitas delas,
para suportarem a si mesmas, se equilibram à base dessa medicação”. Se o alvo
das políticas de saúde fosse a prevenção, todo esse esforço de recursos
financeiros e profissionais direcionado às doenças poderia ser dedicado a
outras áreas da saúde.
Nesse contexto de instabilidade, a violência exercida pelo
Estado contribui para aumentar o clima de medo e insegurança na vida urbana. “A
revolta é reprimida pelas forças do Estado e provoca mais revolta, porque o
cidadão teme quem tem de protegê-lo.” E assim se rompe a possibilidade de uma
convivência minimamente civilizada.
A pergunta é como transformar uma cultura altamente predatória
como a nossa em uma cultura de paz. A resposta da professora nos provoca a
todos: “Temos de nos tornar objetores de consciência, negando-nos a consumir
aquilo que for prejudicial a nós mesmos, à comunidade, ao meio ambiente e à
natureza”.
Por isso, cabe à educação familiar e escolar formar cidadãos
conscientes do seu papel em manter funcionando, a pleno vapor, essa máquina de
produção e consumo em que vivemos. “O problema é que maioria quer continuar
alimentando essa máquina, comprando o último modelo de celular, comendo
batatinhas industrializadas, ansiando pelo estilo de vida que se leva nos EUA”,
diz. Ela acredita que as iniciativas que nos levarão a uma mudança de paradigma
não virão das empresas, nem das instituições financeiras, mas das pessoas comuns.
“Nós precisamos nos conscientizar da nossa força”, afirma a
professora, que percebe uma lenta e gradual mudança em direção ao novo
paradigma. “Há 15 anos não se achava arroz integral no supermercado nem se falava
em edifícios inteligentes. Hoje é um charme economizar, não desperdiçar, ir ao
brechó, vender o carro. Algumas empresas se preocupam em construir uma
atmosfera de trabalho mais confiável, um espaço mais acolhedor; floresce a
economia do compartilhamento”, aponta.
Na opinião dela, para demonstrar as contradições sociais,
cabe aos educadores trabalharem com a matéria-prima do nosso dia-a-dia,
discutindo uma pauta polêmica, em discussão no Senado, por exemplo. “O objetivo
não é contrapor-se ao modelo vigente, mas mostrar seus frutos. E refletir sobre
o que seria uma cultura de paz”, explica.
Sobre o seminário em Fortaleza, ela diz que só terá sentido
se, além da reflexão, abrir espaço para a mobilização. “Se for só para expor a
erudição dos palestrantes, não serve para nada. As pessoas têm de sair
inquietas, com uma indignação que se torne potência para a ação. Do contrário,
é um embuste intelectual”.
Lia Diskin termina convidando todos nós a refletirmos sobre a
riqueza que significa a diversidade de sentimentos, de opiniões e pensamentos.
“A sociedade humana é um ecossistema formado por diferentes paisagens. Cada um
tem seus valores, cultura, sonhos, aspirações – e isso nos enriquece. Em
espaços humanos empobrecidos tenta-se homogeneizar as ideias, tudo o que é
diferente passa a ser percebido como ameaça, quero me desfazer daquilo que me
incomoda, que não atende às minhas expectativas”, afirma.
Ao menos temos a esperança de tomar para nós o protagonismo
das mudanças desejadas. “Fomos ensinados a sufocar com diversão, álcool ou
ansiolíticos as dificuldades. Esse tempo de indefinição em que vivemos exige
lucidez e coragem para enxergar a realidade como ela se apresenta. A vida é
incerta, a natureza não é justa, é o que é. Temos de aprender a lidar com
isso”, diz. Portanto, estejamos prontos para definir, conjuntamente, em que
novo paradigma social vamos querer viver.
Por Denise Ribeiro, jornalista e escritora paulistana
Créditos da reportagem
Créditos da reportagem
http://planetasustentavel.abril.com.br/blog/parceiros-do-planeta/etica-respeito-e-o-bem-comum/